terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Ecos

O cigarro queimava entre seus dedos. Sua mão permanecia imóvel sobre a mesa, apoiada no cinzeiro, onde caíam as cinzas do cigarro que fumava a si mesmo. Suas pernas balançavam lentamente enquanto ele olhava pela janela e via o sol se pondo daquela tarde tão triste de outubro. Uma lágrima insistia em permanecer em seus olhos, mesmo quando a outra mão a limpava, ela voltava e, assim, escorria por sua bochecha rosada morrendo em seus lábios esbranquiçados e secos.
Ele sabia que se acostumaria com a calmaria em algum tempo, mas era o começo e o fato de não haver mais ela o assombrava. A casa parecia maior e o cheio dela ainda estava em todos os cantos, entre as páginas de um livro velho, na maçaneta da porta e, principalmente nos lençóis da cama que ele ainda não havia conseguido tirar. Não queria esquecer seu rosto, não queria almoçar, jantar e tomar café da manhã, sozinho. As mãos dela ainda estavam em seu corpo, nas portas, nos talheres e em qualquer outro mínimo detalhe. Se pudesse deixaria tudo intocado, talvez, assim, seu rosto não fosse esquecido com o tempo e, se as portas permanecem fechadas, talvez o cheiro dela continuasse ali, intacto.
Virou o cigarro entre seus dedos e o apertou no fundo do cinzeiro, apagando-o. Encostou-se na cadeira e mais uma lagrima escorreu pelo seu rosto. Entrelaçou e estralou os dedos, respirando fundo e tentando esquecer que suas tardes ainda seriam dessa maneira por um longo tempo.
Talvez a melhor maneira de superar, não fosse não tocar e sim guardar como uma lembrança boa. Ele levantou-se da cadeira e limpou a última lágrima que escorria pelo seu rosto. Algumas caixas no fundo do quintal foram levadas pra dentro, deixadas sobre a cama. O lençol e as fronhas foram postas dentro de uma das caixas, junto com roupas, brincos, pulseiras e a tornozeleira que ela tanto gostava. Cinco ou seis caixas saíram do quaro cheias, deixando para trás apenas um porta retratos, o da primeira vez que se viram. Estava tão radiante. Ele deu uma última olhadela no quadro e, por alguns instantes, com ele entre as mãos; pensou em levá-lo junto aos outros pertences. Desistiu, porém; pois não queria que o rosto dela se apagasse de sua memória.
Já havia um mês e estava na hora de libertar-se. Deixou as caixas sobre a cama e pegou as chaves do carro que ficavam sempre sobre o criado-mudo. Dirigiu sem rumo por alguns minutos. As ruas estavam estranhamente vazias pra um final de tarde de sexta-feira. Uma esquina, um semáforo. Alguém acena e sorri, um rosto desconhecido e esquecido na memória, mas com aceno retribuído, só não o sorriso. Finalmente o azul do mar se fez presente em sua retina.
Estacionou o carro na orla, tirou os sapatos em seu carro, descendo dele com os pés descalços que de destacavam na negritude da rua. Pegou o maço de cigarro e trancou a porta do carro. A luz do sol começava a deixar o céu alaranjado e o mar não muito diferente. Essa era uma das suas coisas preferidas: ver o pôr do sol, nada o acalmava mais ou o fazia esquecer das coisas como aquela imagem. Tão livre. A água do mar finalmente tocou seus pés cheios de areia, chegando até os joelhos. Seus olhos se fecharam por um instante, o vento batia em sua face trazendo o cheiro do mar. Tirou a foto dela de seu bolso e contemplou-a por segundos que seriam guardados pra eternidade. A foto escorregou de seus dedos e foi levada pelo vento, até cair na imensidão azul. Era esse o seu adeus.
Caminhou até onde as ondas não o alcançariam e sentou-se. Tirou um cigarro do maço e colocou entre seus lábios, procurando o isqueiro que, aparentemente, não estava em seu bolso. Uma mão se estendeu a sua frente segurando um isqueiro cor-de-rosa. Acendeu o cigarro com um longo trago e seus olhos subiram pela mão, braço, ombro, até chegar ao rosto, que trazia um largo sorriso. Ele sorriu e deixou sua vida se iluminar novamente.

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei desse! Um fim. Um recomeço.
Os finais são sempre tristes, mas o que vale são as boas lembranças, afinal, tudo é tão efêmero quanto um cigarro.