quinta-feira, 30 de abril de 2009

Revanche?

Mais uma noite e ela simplesmente não agüentaria. Tentara de tudo no último mês e nada surtiu efeito. Na verdade, efeito surtiu, mas não veio com o resultado esperado. E ela o odiava e o amava simultaneamente. Primeiro o odiava por resistir tanto e segundo o amava exatamente por resistir daquela forma. Apesar de todos os esforços, ela gostava do jogo que jogavam, da maneira desafiadora que ele a olhava, a provocava e quando ela começava a ceder e provocar, ele desconversava, provocava, desconversava de novo e só fazia sua vontade aumentar, firme e forte em sua promessa, em seu propósito. Torturando-a.
Naquela noite, porém, ela estava um tanto quanto decidida. Já havia algumas noites mal dormidas, em que seus braços eram afastados do peito dele e, enquanto ela se debatia na cama, ele ria e apenas observava. Depois dava-lhe um beijo e lhe desejava um boa noite debochado. Até chegou a tentar psicologia reversa, parando de provocá-lo, esquecendo-se de que quem tinha poder psicológico entre os dois era ele, e não ela. Idéia inválida. Desistiu.
Chegou da rua e deixou suas coisas de lado. Trocou de roupa e colocou o pijama. O olhou de cima a baixo na sala e não deu uma palavra sequer com ele, apenas o cumprimentou quando entrou. Sem beijo, sem abraço, sem nada. Foi até a cozinha e pegou um copo de água, voltando pra sala logo em seguida, onde ele permanecia sentado, assistindo à televisão. Apenas a olhou de canto e ela sorria maliciosamente, mas de uma maneira diferente, segurando o copo de água em uma das mãos, o observando sem desviar os olhos e, por vezes, tomava um gole de água. Intrigado, então, perguntou o seu tão famoso “O que foi?”, abrindo um sorriso pequeno no canto dos lábios e apertando os olhos, desconfiado do que poderia estar se passando naquela mente fértil que só ela tinha.
Ela abriu mais o sorriso, terminou de tomar a água que havia no copo e anunciou que a greve agora era dela, sentindo-se completamente vencedora, crendo piamente de que a vitória era dela e agora quem sofreria com isso seria ele ou que, ao menos, sua tortura acabaria. Ele, porém, com toda a sua ironia, revidou:
- Justamente agora que não estou mais em greve, tsc.
O sorriso desapareceu de seu rosto, dando lugar a uma expressão séria. Arqueou uma das sobrancelhas e abriu a boca como se fosse dizer algo, mas não o fez. Engoliu a seco, desencostou da parede e caminhou até a cozinha pisando firme no chão. Colocou o copo sobre a pia de uma maneira brusca, a ponto de fazer com que o som ecoasse por outros cômodos, enquanto ele ria baixo na sala da reação que ela havia tido. Saiu da cozinha da mesma maneira que entrou, apagando a luz. Passou pela sala e não desviou os olhos em direção ao sofá. Ele, por sua vez, conteve o sorriso enquanto ela passava e a seguiu com os olhos até ela entrar no quarto, voltando-se novamente para a televisão.
Alguns minutos depois ela estava de volta à sala. Inclinou-se sobre ele, entrando em frente à TV, tirou o controle de sua mão e desligou a mesma. Ele apenas a seguiu com os olhos e não retrucou ou se esquivou.
Aquela noite passaram no sofá.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Before dying.

Todos dizem que antes de morrer nossa vida toda passa diante dos olhos num piscar de olhos e refletimos sobre tudo o que aconteceu em poucos segundos, causando arrependimento e dor. Dizem também que as pessoas, ao se arrependerem, purificam-se, e por isso se santificam depois de mortas. Mas a única coisa na qual consigo pensar é no dedo dele no gatilho, meus olhos não desgrudam do cano da arma e nem ao menos chorar consigo. Estou completamente estagnada. Parada com uma arma apontada pra minha cabeça, bem entre os meus olhos. E todos os meus sentidos parecem mais aguçados, meu coração é como um tambor batendo dentro do peito e eu sinto ele palpitando em todo o meu corpo. Posso sentir até mesmo o sangue correndo pelas minhas veias. Sangue esse que não vai demorar a se derramar se ele puxar esse gatilho.
Não estou revendo toda a minha vida, ela é longa e eu não lembro de tudo o que fiz ou deixei de fazer. Fiz tanto e ao mesmo tempo tão pouco. Deixei de fazer, refiz, cometi erros antigos e novos erros. Pedi perdão e fui perdoada. Beijei, abracei, fui beijada e abraçada. Confundi nomes, idades, esqueci datas de aniversário e chorei nos meus aniversários. Fui criança, subi em árvore, tive medo de escuro e de altura. Medo do bicho-papão e da Cuca. Assisti à filmes de terror, comédias, romances e chorei com eles. Chorei muito, ri muito, trabalhei pouco, estudei menos ainda. Alcancei objetivos, mas não todos. Não penso que tenho muito ainda pra viver, talvez esse seja meu fim, e estou conformada com isso, com todos os sonhos que vão por água abaixo se o dedo dele apertar esse gatilho.
Pensei em coisas boas, mas e as coisas ruins? E a tristeza que causei? As pessoas que fiz chorar? Que magoei? Que fiz esquecer e abandonei? E todas as palavras de carinho que eu podia ter dado e não dei? Os abraços que deixei de entregar ou beijos que neguei? O que vai me fazer pura daqui pra frente? E se eu não me arrepender, será que vou pro céu mesmo assim? Será que existe realmente um céu destinado às boas pessoas? Mas o que são boas pessoas? Alguém soberbo que doa uma quantia em dinheiro todo mês pra alguma instituição pra mostrar-se melhor que os outros? Isso é ser bom? Se for, eu não sou boa. Não dividia meu dinheiro. Dar esmola na rua, conta? Se contar, então fiz coisas boas. Dar dinheiro é fazer algo bom? Se for, presidentes que distribuem bolsas “não-sei-o-quê” são santos, mesmo roubando milhões daqueles que não têm condições. Isso é tapar o sol com a peneira. Não há pessoas boas ou ruins, não há certo ou errado. Pessoas são medíocres, agem de acordo com a situação. Se tem de ser boa, será boa. Se tem de ser ruim, será ruim.
Bondade e maldade enlatada. Porque novelas dão ibope? Porque é bom ver a desgraça do próximo. É melhor ver a desgraça do próximo do que amar seu semelhante. É melhor comer a mulher do amigo do que não desejar a mulher do próximo. Somos gulosos, invejosos, preguiçosos, vaidosos. Vivemos irados com engarrafamentos e só não mandamos nossos patrões pra alguns lugares não favoráveis porque somos egoístas e orgulhosos demais pra perder aquilo que nos sustenta e admitir que, apesar de tudo, gostamos. Ou desgostamos. Muitas das coisas que fazemos ao longo da vida, gostamos? Ou fazemos porque a maioria faz? Ouvimos pra mostrar que não somos deslocados. Vestidos porque caiu bem no corpo do amigo. Elogiamos com a vontade de ser igual e com a veia da inveja pulsando para que a pessoa tropece na primeira pedra, só pra satisfazer o nosso desejo doentio de vê-la por baixo.
E qual é o desejo dele? Isso, pra ele, é me ver por baixo? Por que eu? O desejo dele é ver sangue? É levar aquilo que eu tenho de valioso? Minha vida é valiosa pra ele? Não me importo se ele puxar o gatilho. E não vou me arrepender pelas coisas que fiz, tudo foi meticulosamente programado e provavelmente, em outrora, eu já me arrependi. Eu nem ao menos sei se isso vai me salvar. Salvação... Não sei se acredito nela. Talvez o meu destino seja a reencarnação. Ter a chance de me redimir de tudo de errado que eu fiz nessa vida. Ou talvez a minha alma fique vagando por ai durante a eternidade. Posso também virar um anjo e dormir sobre as nuvens, soprar coisas boas na cabeça das pessoas. Posso virar uma diabinha também, e soprar no ouvido dele pra atirar em mim.
Só se passaram alguns segundos, meus olhos continuam fixos no cano da arma enquanto eu penso em milhões de coisas ao mesmo tempo. E é tudo tão confuso e claro. Certo e errado, bom e ruim. Tudo é nada, e nada me satisfaz. O tudo é confuso demais e eu me sinto aliviada, pois talvez eu não precise mais lutar pelas coisas que eu desejo. Ele começou a caminhar pra trás, levando minha carteira, relógio, bolsa e colar. É isso então? É assim que termina? Ele não vai me dar aquilo que eu tanto queria? Uma libertação talvez? Não. Ele simplesmente foi embora. Me deixou com as minhas perguntas, minhas antigas ambições, minha falta de vontade de levantar ou concluir tudo o que eu havia planejado para minha vida. Agora eu faço o quê? Levanto e sou hipócrita o suficiente pra viver alucinadamente e aproveitar ao máximo a minha vida? Eu só queria que ele tivesse puxado o gatilho e me libertasse de todas as minhas questões.
Volto, agora, a ser a pessoa ambiciosa de antes, machucando alguns, dando esmola para outros. Seria mais fácil não ter de fazer escolhas, porém a vida seria sem graça. Uma pena meu chocolate ter ficado dentro da bolsa.