domingo, 11 de abril de 2010

Be somebody

Como um gato perdido em meio ao trânsito caótico, ela andava nas ruas. Olhava as pessoas com a curiosidade de um bebê que acaba de descobrir uma cor nova, e com o medo de uma criança ao ver uma cinta. Entre os semáforos e as esquinas, seus pés descalços pisavam o solo quente, “Onde estou? Onde estou?”, martelava a pergunta em seu pensamento, juntamente com suas mãos, que faziam questão de baterem em sua cabeça, como se fossem, assim, trazer algum tipo de lembrança de volta. Suas lágrimas haviam acabado de tanto chorar, há dias seguidos. Sem dormir, no frio e na escuridão solitária da noite, e sem conseguir se manter completamente lúcida na claridade e movimento do dia.
Seus trajes sujos tinham contraste com a pele branca, por mais suja que essa parecesse. As pessoas a olhavam como se olha um animal deitado na rua, com desprezo. Algumas a olhavam curiosos, e alguns até a cumprimentam, mas os rostos não se faziam conhecidos.
- Onde estou? – Perguntava ela com tom de desespero às pessoas que na rua andavam. Tão sozinha, tão vazia. As lembranças lhe foram tiradas, e ela nem ao menos sabia o motivo. Ouvia sons conhecidos, que não conhecia. Vozes que acabara de ouvir, vozes sem rosto, vozes sem voz. Perfumes e aromas que estavam ali, mas não os conseguia identificar em meio a mente vazia. O desespero daquilo que lhe assombrava e estampava seu rosto. Aconteceu, mas nunca aconteceu antes.
Talvez fosse tudo um sonho, e era isso que esperava: acordar. Mas nem ao menos sabia como era dormir, e sonhar. Há dias não dormia, e de tanto roncar, fome seu estômago já não sentia. Perdida em perguntas, em palavras que ela sabia que existiam, mas nunca foram ditas. E aqueles olhares que a julgavam...
Correu.
Correu pra longe, correu pra lugar nenhum. Correu pela ponte, pela esquina. Derrubou algumas pessoas, até mesmo uma criança. “Desculpa”, saiu automaticamente de sua boca, mas nem ao menos sabia se conhecia essa palavra. Então continuou correndo, até seu coração saltar de seu peito e suas pernas quase desencaixarem de seu corpo.
Raiva.
Ódio.
Em qualquer lugar, num lugar qualquer, que estava lá, mas nunca esteve, ela entrou. Prateleiras, ela sabia o que eram, pronunciou em voz alta. A lembrança quis vir, mas foi embora antes de chegar. Então suas mãos entraram em ação, expressando o ódio que sentia. Quebrando o que havia em volta. E os olhos que antes a julgavam, agora a condenavam. “Louca!”, exclamavam. Condenavam. Apontavam. E ela continuava a derrubar as coisas, quebrar, jogar, como um animal furioso. Urrando as palavras que saíam em forma de grito: “QUEM SOU EU?”, diversas vezes as mesmas palavras, e gritos em seguida. Aconteceu, mas nunca aconteceu. Então o choro veio novamente, e o ódio se transformou em dor quando encolheu o próprio corpo, tentando se lembrar. Mas a dor foi embora quando aqueles braços a envolveram. “Vai ficar tudo bem”, aquela voz ela conhecia. Reconhecia. Aquele rosto, aqueles olhos. E o amor lhe tomou. Não sabia da própria origem, mas a dele bem sabia. E o que sentia, sabia que era amor. O único que poderia salvá-la. E ela se deixou levar, agora como o gato acolhido num lar seguro. “Calma, eu estou aqui”, e seu corpo desmoronou de fraqueza nos braços daquele que ela reconhecia.


Nobody knows, nobody sees;
nobody but me... (♪)

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