sábado, 3 de janeiro de 2009

Trivial.

Eu estava sentada quando ele chegou. Trazia algo na mão, algo que eu não consegui decifrar o que poderia ser. Era de manhã, por volta das 7 e 30, mais ou menos. Estava chovendo bem fraquinho na rua e, conforme os carros passavam, eu podia ouvir o barulho das rodas quebrando as gotas de chuva. A porta anunciou sua chegada com aqueles sininhos de lojas pequenas e, rapidamente, desviei os lábios da minha xícara de café e levantei os olhos para a porta, vendo a sua entrada.
Estava frio, ele estava pálido e seu sobretudo tinha até algumas gotas de água nos ombros. Eu não sei descrever a sensação que eu senti quando vi aqueles enormes olhos negros passearem por entre as mesas. Foi simplesmente como se meu coração tivesse parado, o único som que eu ouvia era da respiração dele e não conseguia desviar meu olhar daqueles imensos olhos negros que pareciam me chamar pra perto. Meu café deixei de lado, já não tinha mais vontade e, toda a doçura que ele transbordava, parecia torná-lo totalmente amargo.
Então abri minha bolsa e ouvi novamente o barulhinho do sino da porta. Olhei pra ver se era ele que havia saído, mas não, felizmente ele ainda estava sentado no balcão, tomando um capuccino, eu acho. Só me lembro que havia uma espuma branca sobre ele e parecia bem quente. Cruzei minhas pernas embaixo da mesa e continuei a procurar incessantemente papel e caneta dentro da bolsa, por alguma razão, me deu uma vontade imensa de escrever, e também não sei exatamente o que senti naquele momento.
O meu café já estava visivelmente frio sobre a mesa e o jornal estava meio umedecido devido ao tempo frio e chuva que fazia. Havia tanto tempo nós, e eu nem ao menos poderia imaginar o que ele estaria fazendo da vida. Fora apenas uma noite e eu soube de toda a vida dele e fiquei completamente rendida, porém não o suficiente pra passar o meu número de telefone ou nome. E o dele? Ele passou, porém nunca liguei. Me apresentaria como? A garota do bar da noite passada? Não cai bem pra mim, pareceria certamente vulgar me apresentar assim. E talvez ele nem ao menos se lembrasse de mim. No café, tenho certeza de que ele nem ao menos havia me notado; também, como poderia? O deixei arfando sobre a cama e fui embora sem dar explicação alguma.
Achei, finalmente, o papel e a caneta, mas já não os queria mais, o celular dentro da bolsa me chamou mais a atenção. Olhei-o rapidamente e voltei os olhos pro celular. A essa altura você certamente já imagina o que eu fiz, não é? O celular vibrou no bolso dele. Rapidamente eu desliguei e disfarcei. O vi olhando pra todos os lados do café e peguei a minha xícara na mão, levei-a até a boca e tomei um gole daquele café horrível e gelado, fingindo ler a notícia principal do jornal. Não vi se ele parou os olhos em mim ou não, estava sem coragem de olhá-lo e com uma vontade quase incontrolável de rir. Precisava ir ao banheiro, logo seria a hora de sair pro trabalho, o café da manhã acabaria em alguns minutos.
Então coloquei a bolsa no ombro e me levantei, passando por ele. Fiz questão de respirar fundo e sentir o perfume dele, que ainda era o mesmo daquela noite e que ficou impregnado no meu corpo durante um bom tempo. Porém, continuei andando, embriagada pelo seu perfume. Uma ajeitada no cabelo era tudo que eu precisava. Ajeitei o cachecol em volta do meu pescoço e sai do banheiro, indo ao balcão pagar minha conta.
Mas algo realmente inusitado aconteceu. Sabe aquelas coisas de filme que pensamos que nunca vai acontecer conosco? Pois bem, aconteceu: ele levantou quando eu passava por trás dele e esbarrou em mim. Segurou meus braços pra eu não caísse, com força e ficou me olhando nos olhos. Abriu um sorriso e só disse em tom baixo um "você...", que logo foi esquecido quando os lábios dele vieram até os meus. Aqueles lábios quentes e que tinham um gosto doce. Eu acertei, ele realmente estava tomando capuccino.
Quando os lábios dele desviaram dos meus, apenas sorri e estendi a mão, apresentando-me, diferente da última vez. Paguei minha conta e em seguida ele pagou a sua. Provavelmente ele ficou me procurando no café quando virou-se. Se ele tivesse prestado atenção no barulho do sino da porta, teria corrido atrás de mim. Era melhor levar apenas a lembrança dos doces lábios com gosto de capuccino do que levá-lo para a cama novamente. Estava atrasada para o trabalho.

Um comentário:

Francisco disse...

Femme fatale. '-'
Gostei da maneira que você retratou a angustia da moça, que não sabia como se apresentar ou como agir.
Ótimo post, mana!