quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Nem tão triste assim...

Era novamente sexta-feira, era novamente frio, era novamente uma noite só. Só, porém não triste. Estava sentada no sofá quase que com as costas, de tão pra frente que estava seu quadril. Foi escorregando no sofá até o ponto extremo que suas pernas agüentariam segurá-la daquela maneira. Mantinha um braço sobre a barriga, o outro escorado no braço do sofá e seus dedos batiam aleatoriamente no mesmo. Há dias que a imagem do homem daquela sexta-feira estava na sua cabeça, presente em sua lembrança. Quanto tempo já fazia? Um mês? Dois? Mais? Não sabia ao certo. Depois de sair daquele bar, apagou muita coisa de sua memória e queimou, literalmente, as roupas que havia usado àquela noite. Aquilo já não a atormentaria mais não fossem algumas ligações e recados na secretária eletrônica. Queria deixar tudo aquilo que viu pra trás, de uma vez por todas.
Felizmente, já não fazia tanta diferença; a não ser por aqueles olhos. Azuis, tão profundos; aquelas pupilas dilatadas que pôde vê-las se retrair ao olhá-lo. Os cabelos castanhos bagunçados que invadiam sua testa e aquelas mãos brancas, aparentemente gélidas por causa do copo de conhaque que segurava. Não tirava essa imagem de sua cabeça. Por mais que tentasse, era inútil. Se tivesse ao menos um telefone...
Arrumou sua franja atrás da orelha com a mesma mão delicada da outra noite, só que as unhas, dessa vez, estavam pintadas de roxo; quase violeta, o que fazia a pele de sua mão parecer mais rosada. Escorregou mais um pouco no sofá e suas pernas não puderam agüentar, o que a fez cair no chão e soltar uma gargalhada alta que ecoou pelo vazio frio de sua casa, por entre as caixas da mudança que estavam espalhadas há uma semana, pegando poeira. Sentou-se no chão com os joelhos dobrados, passando os braços em volta das pernas; e encostou-se no sofá. O brilho de alguma coisa entre aquelas caixas alcançou seus olhos, que ficaram apertados na hora, forçando a vista pra poder enxergar o que era aquilo. Azul. O scarpin, o mesmo daquela noite. Um arrepio subiu pela espinha, o sorriso se desfez em seu rosto e o coração foi parar na boca. Quase pôde sentir suas pupilas dilatarem e abraçou mais forte suas pernas. Seus olhos passearam por toda a sala e a casa pareceu maior e ao mesmo tempo menor, como se não estivesse mais sozinha.
Levantou-se rapidamente e foi em direção quarto, passando pelos scarpins e chutando-os delicadamente mais pro meio das caixas. Despiu-se no caminho do banheiro e tomou um longo banho quente. Vestiu uma calça jeans e procurou incessantemente por uma blusa azul no tom do scarpin; quando estava quase se arrependendo amargamente por ter queimado a antiga blusa, achou, no fundo da gaveta, algo que era suficientemente azul. Abriu um largo sorriso e vestiu-a defronte ao espelho. Gostou do que viu. Colocou cachecol, pegou carteira, bolsa, desligou o celular e jogou-o na cama; passou por entre as caixas e vestiu o scarpin.
Não demorou muito e estava abrindo a porta do bar, do mesmo jeito de outrora: quase duas da manhã, cabelos bagunçados pelo vento, saltos batendo no chão, porém com borboletas no estômago que sairiam voando pela boca a qualquer momento.
O bar não estava tão cheio, pelo frio talvez. Arrumou o cabelo e sentou-se no balcão, no mesmo banco da última sexta-feira. A mesa ‘dele’ era ocupada apenas pelas marcas de copo e uma camada de poeira. Ela respirou profundamente, encolheu os ombros e balançou a cabeça, sentindo como se toda a sua esperança caísse no chão, abrindo um buraco enorme que a puxava para dentro. Pediu um conhaque e bebeu quase tudo num gole só e não demorou a pedir outro. A noite tinha ficado incrivelmente mais fria e, embora quisesse ir embora, não conseguia. Sabia que a única coisa que a esperava era solidão. Rapidamente olhou pra seus sapatos azuis e sentiu a presença de alguém se aproximar e sentar-se no banco ao lado. O pedido era um Martíni.
Riu sozinha e novamente balançou a cabeça, terminando o último gole de seu conhaque. Arrumou a franja atrás da orelha e deixou algum dinheiro sobre o balcão. Virou-se no próprio branco, em busca de um lado livre pra sair e cruzou seu olhar com o da pessoa que havia sentado ao seu lado. O sorriso voltou a seus lábios quando viu aqueles imensos olhos azuis de antes, com os fios de cabelo caídos sobre a testa. Ele devia ser o cara dos olhos mais lindos do mundo que já segurou um Martíni nas mãos...




Palavra de hoje:
Martíni: Substantivo masculino. 1.Coquetel feito com vermute seco e gim, servido gelado e com uma azeitona verde.

Caso não haja entendimento: A mais triste

Um comentário:

Donα Morαngo* disse...

Juro que me deu vontade de ter franjas e um scarpin daqueles.

Ah, e de beber martíni também, nunca bebi. hm/

Adels. UAHSUAHSUHSUHSASHUAS